Mostrar mensagens com a etiqueta Susan Sontag. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Susan Sontag. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, janeiro 27, 2005

O que é importante hoje é recuperar os nossos sentidos. Temos de aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.
A nossa tarefa não é descobrir numa obra de arte o máximo de conteúdo, e ainda menos espremer mais conteúdo de uma obra do que aquele que já lá está. A nossa tarefa é reduzir o conteúdo de modo a podermos ver realmente o que lá está.

Susan Sontag in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, 2004, p. 32
Na maior parte das situações na época moderna, a interpretação corresponde à recusa filistina de deixar em paz a obra de arte. A verdadeira arte tem a propriedade de nos deixar nervosos. Ao reduzir a obra de arte ao seu conteúdo para depois interpretar esse conteúdo, é o mesmo que domesticar a obra de arte. A interpretação torna a arte dócil, conformada.

Susan Sontag in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, 2004, p. 24
Mas, naturalmente, a arte permanece ligada aos sentidos. Assim como não se pode fazer flutuar a cor no espaço (o pintor precisa de um qualquer tipo de suporte, como a tela, ainda que neutro e sem textura) também não se pode ter uma obra de arte que não actue sobre os sentidos humanos. Mas é importante compreender que a consciência sensorial humana não tem apenas uma biologia, mas também uma história específica, com cada cultura a privilegiar a tónica em certos sentidos e inibindo outros. (A mesma coisa vale para a gama de emoções humanas primárias). É aqui que (entre outras coisas) entra em jogo a arte, e é essa a razão por que descobrimos na arte interessante da nossa época um tal sentimento de angústia e de crise, por mais alegre, abstracta e ostensivamente neutra do ponto de vista ético que possa parecer. Pode dizer-se que o homem ocidental tem sofrido uma anestesia maciça dos sentidos (concomitante do processo a que Max Weber chama «racionalização burocrática») pelo menos desde a Revolução Industrial, com a arte moderna a funcionar como uma espécie de terapia de choque, confundindo e descerrando os nossos sentidos simultaneamente.

Susan Sontag in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, 2004, p. 348

domingo, janeiro 23, 2005

Do inefável

No sentido mais restrito, todos os conteúdos da consciência são inefáveis. Mesmo a mais simples das sensações é, na sua totalidade, indescritível. Toda a obra de arte precisa, portanto, de ser compreendida não só como uma coisa que é expressa, mas também como um certo tratamento do inefável. Na arte maior, temos sempre consciência de coisas que não podem ser ditas (regras de «decoro»), de contradições entre a expressão e a presença do inexprimível. Os mecanismos estilísticos são igualmente técnicas de fuga. Os mais poderosos elementos numa obra de arte são, muitas vezes, os seus silêncios.

Susan Sontag in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, 2004, p. 60