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domingo, janeiro 30, 2005


Edward Hopper, Sunday, 1926

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Era uma vez uma ocasião em que todos estavam à espera. Sentados à porta de casa passavam às vezes pelas portas olhando de dentro ou para dentro debatendo-se na impossibilidade de saber se a porta dava realmente acesso ou o impedia. Essas criaturas chamavam-se Antes e viviam no delírio do aparecimento.

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A memória é essa claridade fictícia das sobreposições que se anulam. O significado é essa espécie de mapa das interpretações que se cruzam como cicatrizes de sucessivas pancadas. Os nossos sentimentos. A intensidade do sentir é intolerável. Do sentir ao sentido do sentido ao significado: o que resta é impacto que substitui impacto - eis a invenção.

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O conferencista declara: a distracção é uma forma última da ocultação. Depois acrescenta: a arte mais antiga é a funerária porque toda a memória o é. Então eu penso: quem tem sentimentos acerca das coisas fica prisioneiro do tempo.

Ana Hatherly in 351 tisanas, Lisboa, Quimera, 1997

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Edward Hopper, Approaching a City, 1946

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.a história é infinita. podemos interceptá-la em qualquer ponto. era uma vez uma cidade onde os habitantes sabiam tanto do sofrimento humano que quando acordavam deitavam-se logo.

Ana Hatherly in 351 tisanas, Lisboa, Quimera, 1997, p. 45

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sábado, janeiro 29, 2005



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Entro numa loja e digo ao empregado faz favor de me dar algum pólen para eu fabricar o meu mel. Ele olha para mim. Sei que a incerteza o devora digo temos em comum essa capacidade de entrar no fjord mas deve compreender que só por maldosa cortesia poderia eu aceitar tais agradecimentos talvez noutras circunstâncias noutra altura me fosse possível ajudá-lo mas hoje é-me muito difícil fazer essa transmissão integral e pública. Agarro no embrulho que já estava pronto e saio para a rua. Não se pode confiar em ninguém.

Ana Hatherly in 351 tisanas, Lisboa, Quimera, 1997, pp. 19 e 20