domingo, janeiro 30, 2005


Edward Hopper, Sunday, 1926

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Era uma vez uma ocasião em que todos estavam à espera. Sentados à porta de casa passavam às vezes pelas portas olhando de dentro ou para dentro debatendo-se na impossibilidade de saber se a porta dava realmente acesso ou o impedia. Essas criaturas chamavam-se Antes e viviam no delírio do aparecimento.

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A memória é essa claridade fictícia das sobreposições que se anulam. O significado é essa espécie de mapa das interpretações que se cruzam como cicatrizes de sucessivas pancadas. Os nossos sentimentos. A intensidade do sentir é intolerável. Do sentir ao sentido do sentido ao significado: o que resta é impacto que substitui impacto - eis a invenção.

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O conferencista declara: a distracção é uma forma última da ocultação. Depois acrescenta: a arte mais antiga é a funerária porque toda a memória o é. Então eu penso: quem tem sentimentos acerca das coisas fica prisioneiro do tempo.

Ana Hatherly in 351 tisanas, Lisboa, Quimera, 1997

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