Eugénio de Andrade, 1923-2005
Espanta-me que estes olhos durem aindaEspanta-me que estes olhos durem ainda,
que as suas pedras molhadas
se tenham demorado tanto a reflectir
um céu extenuado
em vez de aprenderem com a chuva
a morder o chão.
In
O Peso da Sombra, 1982
As palavrasSão como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
In
Coração do Dia, 1958
Nem sempre o corpo se pareceNem sempre o corpo se parece com
um bosque, nem sempre o sol
atravessa o vidro,
ou um melro cante na neve.
Há um modo de olhar vindo
do deserto,
mirrado sopro de folhas,
de lábios, digo.
In
O peso da sombra, 1982
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