quinta-feira, março 31, 2005

Deus e pós-modernidade

«(...) Pluralidade, descontinuidade, antagonismo, particularismo entram na ordem do dia. Nietzsche tem de ser ouvido, mas os seus juízos não devem ser vistos a não ser como exigência para repensar os sinais de decadência e ressentimento. Mas haverá uma pós-modernidade, por contraponto à modernidade, herdada desde o Renascimento? Ou haverá apenas uma nova fase da modernidade, de que continuamos a fazer parte? O certo é que a revisão da modernidade surge como desafio, que impõe, por exemplo, o repensar das relações entre fé e razão, para além das concepções pré-modernas e modernas. Afinal, como superar o nihilismo passivo ou o nihilismo dos valores? J. B. Metz fala da emancipação como sinal da modernidade. Mas, Nietzsche pergunta: «Quem quer ainda governar? Quem quer ainda obedecer? É demasiado penoso. Nenhum pastor e um só rebanho!...» Nada vale a pena?
O que se passa no tempo actual? Muitas vezes a pluralidade surge como sinónimo de indiferença. Gellner põe-nos de sobreaviso: o relativismo é que dá apoio ao absolutismo dos outros. Por isso, o hermeneuta contemporâneo deverá ter mil cautelas, para que a tolerância própria não redunde em destruição do respeito mútuo de todos. Poderemos ser tolerantes com a intolerância? Olhe-se o que acontece com a escalada dos fundamentalismos. Impõe-se superar quer o relativismo quer o absolutismo. Daí a necessidade de ultrapassar os monolitismos. Temos de dar à razão um lugar equilibrado e aberto, capaz de se ligar à emoção e aos afectos, à fé e à convicção, naquilo que Carlos H. do Carmo Silva designa como «inteligência cordial». Por isso, se impõe a referência fundamental à inviolável dignidade do ser humano e a superação de um monolitismo racional fechado. A pessoa humana, não o esqueçamos, é um ser de resposta, para quem a dimensão ética é determinante. Liberdade e responsabilidade, igualdade e diferença são faces da mesma moeda. E a mediação torna-se necessária, indo ao encontro do que o multiforme deus Dionísio representa na alegria e nos afectos, contra uma qualquer idolatria metafísica, para que o Deus do amor, da cidade das pessoas, seja mediador da afirmação da pessoa humana e a pessoa humana seja mediadora da afirmação de Deus.

Guilherme d'Oliveira Martins, «Deus e pós-modernidade» in A Paixão das Ideias, Jornal de Letras, 30 de Março de 2005, pág. 37

Vale a pena ler todo o artigo.

1 comentário:

almariada disse...

Olá! Vim aqui parar porque andava a pesquisar sobre o Professor Carlos H. do Carmo Silva que tem publicado artigos muito interessantes na revista Cais. Verifiquei que o nome dele, porém, não consta da sua indexação, o que acho uma pena... fica a sugestão... tudo bom para si!